O artista Jordi Burch fotografa. Seus registros não apenas refletem o esgotamento da estética realista, pautada pela ideia de representação, mas revelam a importância do processo e do gesto na produção de imagens. Em Furo, exposição individual que apresenta até sábado, 29, na Janaina Torres Galeria, o português se aventura em um percurso investigativo pela linguagem fotográfica. Foto: Divulgação
Com curadoria de Marta Mestre, a mostra reúne 14 fotografias e 1 vídeo, resultado de uma pesquisa ainda em curso do artista. Nela, ele explora as múltiplas possibilidades da prática fotográfica, voltando-se, muitas vezes, para o processo do fotografar e para a própria matéria, sem ater-se, necessariamente, a fins e objetos específicos.
“É de ensaio que esta exposição trata. Composta por trabalhos recentes, aposta em uma pequena unidade de sentidos sobre o carácter latente da matéria fotográfica – essencialmente luz e tempo –, e convida o espectador a refazer mentalmente os nexos deste vocabulário provisório, entre índice e paisagem”, pontua a curadora.
Na primeira série, por exemplo, um pequeno círculo se desloca, quase indistinto, sobre um fundo claro. Concebida a partir do processo de quimigrama, no qual a imagem eÌ criada no ato da revelação, a sequência de cinco fotografias surge não pelo funcionar de uma câmera, mas por uma intervenção manual – tal como num desenho –, no próprio suporte do papel fotográfico.
Em um novo conjunto, tem-se, à primeira vista, uma paisagem marcada pela justaposição de duas figuras cônicas: as fotografias colocadas à frente do interlocutor se assemelham a vultos de montanhas. Também produzidas pela técnica do quimigrama, as imagens são transpostas pelo artista a uma página de caderno, em um claro questionamento acerca dos limites da fotografia.
O projeto procura colocar em evidência uma prática intransitiva do fotografar — um ato que se basta e volta-se ao suporte fotográfico em si, investigando as potencialidades dos gestos interventivos sobre a matéria da fotografia. Nesse sentido, o gesto encaixa-se entre o agir e o fazer, entre o espasmo e o cálculo, escancarando aquilo que a linguagem tem de lapso e impreciso: furos.
Em outra obra, a imagem de um quarto. Sobre o chão e a cama, fragmentos do teto. Jordi faz o registro não de um instante único, determinante, mas de uma ação transcorrida. O momento aqui já não importa e a fotografia suporta em si uma história – várias histórias. O que terá ocorrido para que o teto cedesse? Quem estava no cômodo?
Os registros de Burch despertam estranhamento e devaneio, convidando o visitante a deslocamentos vários. É o que ocorre, por exemplo, quando diante de uma imagem negra – negativo de uma foto mal sucedida. Nela, restos de poeira se somam a impressões digitais criadas pela manipulação da própria película, dando origem a um céu noturno, completamente tomado por estrelas.
“A fotografia apresentada nesta mostra aproxima-se do campo da configuração. Não se trata mais de criar representações de objetos externos à linguagem, mas de, a partir da mesma, descobrir imagens que, por vezes inadvertidamente, configuram mundos possíveis”, afirma o próprio artista.
Nascido em 1979, em Barcelona, na Espanha, Jordi Burch foi para Portugal aos quatro anos de idade e lá iniciou sua prática artística. Há cerca de oito anos vive e trabalha na cidade de São Paulo. O deslocamento é uma constante em sua obra. O tema surge em termos espaciais, entre cidades e países, e no trânsito do olhar e dos sentidos do espectador.
A cada novo projeto, o artista busca um diálogo entre a memória e o instante presente, criando ressignificações em sua fotografia. Por meio de interpretações do espaço, da literatura, da arquitetura e do indivíduo, seu trabalho forma uma grande atmosfera que diz respeito à coletividade.
Burch participou de residências artísticas em renomadas instituições, como o Triangle Network e o Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa. Foi membro do coletivo de fotógrafos Kameraphoto desde seu início, em 2007, até seu fim, em 2015. Por quatro anos consecutivos, de 2004 a 2008, foi convidado a integrar o seleto grupo de fotógrafos do Joop Swart Masterclass, promovido pela World Press Photo.
Apresentou exposições individuais em espaços como a Fundação Iberê Camargo, de Porto Alegre (2018); Museu AfroBrasil, de São Paulo (2013); Centro Cultural de Luanda, da Angola (2010); e Casa Fernando Pessoa, de Lisboa (2007). Integrou mostras coletivas no Centro Cultural de Belém, em Portugal (2017); Bienal de Arquitetura de Veneza, na Itália (2016); Festival Valongo, em Santos (2016); Fundação EDP, de Portugal (2011); Photo España, de Cuenca, na Espanha (2011); Paraty em Foco, de Paraty (2009) e na Fundação Eugénio de Almeida, de Évora, em Portugal (2009).
Serviço
Furo, individual de Jordi Burch, com curadoria de Marta Mestre
Local: Galeria Janaina Torres
Endereço: Rua Joaquim Antunes, 177 / cj 11, Pinheiros- São Paulo – SP
Período expositivo: até 29 de setembro
Visitação: de segunda a sexta, das 10h às 19h e aos sábados, das 11h às 15h
Telefone: (11)3064-2507
Entrada gratuita
